Rabiscando livros (!!!)



Venho de uma família que há um verdadeiro culto para preservar os livros. Todo livro era encapado e nos era ensinado a manusear com todo cuidado e asseio, desde os didáticos até literatura comum. Cresci com isso: lave as mãos, você vai mexer nos livros! Tenho um afeto em manuseá-los, de maneira que riscá-los parecia ferir-me a alma. Alias, vinda de uma família de classe média, tudo envolvia muito cuidado e zelo. Os livros não recebiam atenção especial. Era a atenção comum dada a qualquer outro objeto comprado com muito custo. 

A medida que a vida acadêmica avançava, por um lado entendi o porquê das pessoas acharem prático rabiscarem livros. Comecei a fazer anotações nos famosos “xeroxs” da época da faculdade. Capítulos xerocados não eram tecnicamente livros então, que mal há, não é? Realmente estudar riscando poupa tempo. 

Por outro lado, fervia-me o sangue quando emprestava livros na faculdade e vinham quase vandalizados de tantos riscos. Lá se foram muitas borrachas e tempo apagando rabiscos alheios antes de devolvê-los ao acervo. 

Atualmente o nível da neurose está nesse pé: nunca rabiscos meus livros. 

Acredito que para o processo de aprendizagem mais efetivo, apesar de mais demorado, é preciso passar pela escrita. Então sim, escrevo muito sobre o que estou lendo e guardo as anotações junto com a obra. Eventualmente anoto em post-it e grudo ao longo do livro. É um método híbrido de vandalismo controlado e facilmente reversível. 

Não riscar os livros também me desapega de emprestá-los, afinal poupa o constrangimento generalizado: quem lê minhas anotações pessoais não é golpeado pela minha nudez transcrita em observações. 

Não riscar livros me deixa mais livre sobre o que penso sobre ele. Certa passagem poderá ser lida com outra visão tempos mais tarde. Já peguei anotações e citações que não traduzem atualmente o que penso sobre o assunto. Suspiro aliviada de não ter eternizado isso nas páginas originais da obra. 

Não riscar os livros é um serviço de respeito e cuidado com a próxima pessoa que irá lê-lo. É deixar o campo livre para o próximo leitor se apegar a parte que quiser, sem inconscientemente ler com mais interesse essa ou aquela parte sublinhada. Claro, o livro é seu, você faz o que quiser com ele. Mas não somos eternos e o meu acervo de hoje poderá ser o acervo de outra pessoa daqui há muitos e muitos anos. 

Por fim, não riscar os livros é transferir para outro lugar a sua releitura daquelas linhas. É como construir uma mini obra, a parte, cerrada em outras folhas que poderão ser lidas somente por aqueles autorizados e interessados em fazê-lo. Não escancarar suas impressões para qualquer pessoa ter acesso também é, no final das contas, um ato paradoxal de vaidade. 

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